Dependência nos Relacionamentos
Dependência nos Relacionamentos
Uma compreensão psicanalítica
Na psicanálise, a dependência afetiva não é vista apenas como “precisar demais do outro”, mas como um modo de funcionamento psíquico que tem raízes profundas na história emocional do sujeito.
Ela surge quando a pessoa busca no parceiro algo que está tentando completar dentro de si: segurança, valor, reconhecimento, amor ou sentido de identidade.
1. A dependência nasce das primeiras relações
Para a psicanálise, nossos primeiros vínculos — especialmente com as figuras cuidadoras — formam o modo como aprendemos a amar e a ser amados.
Quando esses vínculos foram:
-
instáveis,
-
excessivamente ausentes,
-
superprotetores,
-
imprevisíveis,
-
ou carregados de exigências,
o sujeito pode crescer com um sentimento de falta, um medo profundo de perder o amor e uma dúvida constante sobre seu próprio valor.
Essa falta inicial pode ser projetada no adulto amoroso, que se torna alguém de quem a pessoa sente que precisa para existir emocionalmente.
2. A dependência e o ideal do Eu
Freud descreve o “ideal do Eu”: um modelo interno de quem deveríamos ser.
Na dependência, a pessoa frequentemente coloca o parceiro como:
-
aquele que valida seu valor;
-
aquele que diz quem ela deve ser;
-
aquele que supre o afeto que ela não consegue dar a si mesma.
Ou seja: o outro se torna o referencial de identidade.
Quando o sujeito não tem um Eu firme, ele cola no outro para não sentir o vazio interno.
3. A dinâmica inconsciente da dependência
A dependência afetiva costuma envolver:
a) Repetição
A pessoa tende a escolher parceiros que repetem antigos padrões familiares — mesmo que dolorosos — porque seu inconsciente busca resolver algo não elaborado.
b) Angústia de separação
Qualquer distância, silêncio ou conflito ativa um medo infantil de abandono.
c) Supereu crítico
Um supereu interno muito duro faz a pessoa acreditar que:
-
não é boa o suficiente;
-
deve agradar para não ser rejeitada;
-
precisa “merecer” o amor.
Isso alimenta submissão, medo e autocobrança.
d) Dificuldade com o desejo próprio
Em vez de saber o que quer, a pessoa pergunta:
“O que o outro quer que eu seja?”
Assim, o desejo do outro substitui o próprio desejo.
4. O que mantém a dependência?
-
Medo de ficar só.
-
Sensação de vazio ou desamparo quando o outro se afasta.
-
Necessidade constante de aprovação.
-
Busca de segurança absoluta — algo impossível nos vínculos humanos.
-
Confusão entre amor e fusão (“se ele se afastar, eu desmorono”).
-
Repetição inconsciente de antigos vínculos familiares.
5. O caminho na psicanálise
A psicanálise não “ensina a desapegar” de forma superficial.
Ela trabalha a origem da dependência, que geralmente está ligada a:
-
vivências precoces de desamparo;
-
experiências emocionais não simbolizadas;
-
falta de reconhecimento afetivo;
-
um Eu frágil, que não conseguiu se constituir de modo firme;
-
repetições inconscientes de padrões familiares.
Na análise, o sujeito é convidado a:
-
nomear o que sente;
-
reconhecer seus medos;
-
elaborar suas perdas;
-
descobrir seu próprio desejo;
-
fortalecer o Eu;
-
diminuir a tirania do Supereu crítico;
-
construir uma identidade que não dependa da validação do parceiro.
Assim, a relação deixa de ser uma fusão e passa a ser um encontro.
6. O objetivo final
A psicanálise não busca “independência total”, pois isso seria anti-humano.
Buscamos autonomia afetiva: a capacidade de se relacionar de forma livre, sem perder a si mesmo.
Não é deixar de amar —
é deixar de precisar do outro para existir.